
Em seu primeiro discurso oficial a diplomatas acreditados junto à Santa Sé, nesta sexta-feira (16), o Papa Leão XIV afirmou que a família é fundamentada na “união estável entre um homem e uma mulher” e que os nascituros e idosos possuem dignidade inalienável como criaturas de Deus. As declarações, proferidas no Palácio Apostólico, reforçam a doutrina tradicional da Igreja Católica sobre o casamento heterossexual e a proteção da vida desde a concepção, sinalizando um alinhamento com a ala conservadora da Igreja e frustrando expectativas de setores progressistas por reformas nos valores morais.
Leão XIV, eleito em 8 de maio de 2025, sucede o Papa Francisco, cujo pontificado foi marcado por gestos de abertura em questões sociais, como a aprovação do documento Fiducia Supplicans, que permitiu bênçãos a casais do mesmo sexo sob certas condições. As falas do novo pontífice, em um encontro com representantes de 180 nações, indicam uma retomada de ênfase nos ensinamentos tradicionais, especialmente em temas sensíveis como casamento e aborto. O discurso, intitulado “A Dignidade Humana como Fundamento da Paz”, também abordou a proteção de imigrantes e o diálogo inter-religioso, mas foi a reafirmação da visão católica sobre a família e a vida que gerou maior repercussão.
Segundo o Papa, “a família, fundada na união estável entre um homem e uma mulher, é a célula primordial da sociedade, onde se cultivam os valores da fraternidade e da dignidade”. Ele acrescentou que “os nascituros, como os idosos, são portadores de uma dignidade que não pode ser negada, pois são imagem e semelhança do Criador”. As declarações ecoam o Catecismo da Igreja Católica, que define o casamento como uma instituição ordenada à procriação e à união esponsal, e considera o aborto um “crime moralmente grave”.
A ênfase de Leão XIV no casamento heterossexual como “base da sociedade” foi interpretada como um aceno aos setores mais conservadores da Igreja, que temiam uma flexibilização da doutrina após os avanços do pontificado de Francisco. Em 2012, ainda como cardeal, Leão XIV expressou oposição a estilos de vida contrários aos valores católicos, o que incluía críticas a uniões não heterossexuais, segundo uma entrevista resgatada por analistas. Embora o Papa tenha aprovado a continuidade do Fiducia Supplicans, ele esclareceu que a Igreja não endossa o reconhecimento sacramental de uniões homoafetivas, mantendo a distinção entre bênçãos pastorais e o matrimônio.
A posição foi celebrada por líderes católicos conservadores. O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, destacou em nota que “o Papa reafirma a beleza do plano de Deus para a família, que é a base para uma sociedade justa”. Contudo, organizações progressistas, como a Rede Global de Católicos Arco-Íris, lamentaram o que consideraram um “retrocesso” na inclusão de pessoas LGBTQ+ na Igreja.
Sobre o aborto, Leão XIV reiterou a posição histórica da Igreja, conectando a defesa da vida a temas mais amplos de dignidade humana. Em suas palavras, “negar a dignidade do nascituro é enfraquecer o fundamento de uma sociedade que valoriza a pessoa em todas as fases da existência”. Embora o Papa não tenha detalhado sua visão sobre políticas públicas relacionadas ao aborto, como acesso à contracepção ou legalização, fontes próximas ao Vaticano indicam que ele mantém a linha de seus predecessores, condenando o procedimento em qualquer circunstância.
A ausência de comentários específicos sobre questões como fertilização in vitro (FIV) ou contracepção, notada por analistas, sugere que Leão XIV pode adotar uma abordagem cautelosa em temas de saúde reprodutiva, priorizando princípios gerais em vez de posicionamentos detalhados. Essa estratégia, segundo o jornal The Guardian, reflete a intenção de evitar divisões internas na Igreja enquanto consolida sua liderança.
As declarações de Leão XIV geraram amplo debate. No Brasil, onde o catolicismo ainda influencia o discurso político, líderes conservadores, como o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), elogiaram o Papa por “defender a família tradicional e a santidade da vida”. Já movimentos feministas, como o coletivo Mulheres Católicas pelo Direito de Decidir, criticaram a posição como “desconectada das realidades das mulheres em contextos de vulnerabilidade”.
Nas redes sociais, posts no X refletem a polarização. Usuários como @NewsPatriotPost celebraram o discurso como um “retorno aos valores cristãos”, enquanto outros, como @FeminismoCatolico, pediram que o Papa “escute as vozes das mulheres que sofrem com a criminalização do aborto”. A imprensa internacional, como a NBC News e o Catholic Herald, destacou que as falas reforçam a visão de Leão XIV como um “centrista com raízes conservadoras”, que busca equilibrar a doutrina com apelos por justiça social, como a defesa de imigrantes.
O posicionamento de Leão XIV sobre casamento e aborto sinaliza que seu pontificado será marcado por uma firme adesão à doutrina tradicional em questões morais, mesmo que acompanhada de gestos de diálogo em outros temas, como migração e meio ambiente. Analistas do New York Times apontam que o Papa enfrenta o desafio de liderar uma Igreja dividida entre alas conservadoras, que exigem ortodoxia, e progressistas, que esperam maior abertura. Sua decisão de priorizar a reafirmação do casamento heterossexual e da proteção à vida sugere uma estratégia de consolidação junto à base católica tradicional.
Para o Brasil, onde debates sobre aborto e direitos LGBTQ+ estão no centro da arena política, as palavras de Leão XIV podem fortalecer narrativas conservadoras, especialmente em um ano pré-eleitoral. Contudo, a ênfase do Papa no diálogo inter-religioso e na dignidade de grupos vulneráveis, como idosos e migrantes, indica que seu pontificado também buscará pontes com setores mais amplos da sociedade.
O futuro do pontificado de Leão XIV dependerá de como ele navegará essas tensões, mantendo a unidade da Igreja enquanto responde às demandas de um mundo em transformação. Por ora, suas primeiras declarações deixam claro que, em questões de família e vida, a doutrina católica tradicional permanecerá como bússola.